A safra de trigo 2022/23 já foi finalizada no Brasil e os números são animadores para os produtores. Nesta safra foram colhidas mais de 9 milhões de toneladas do grão no país.
No entanto, esta expectativa, em inúmeras safras, é frustrada por diversos fatores. Dentre os principais encontram-se os fatores climáticos, como ocorrência de precipitações irregulares e até mesmo deficitárias para as necessidades da cultura, temperaturas desfavoráveis e a ocorrência de doenças.
As doenças que ocorrem no trigo podem reduzir a sua produção e produtividade consideravelmente, em até 100%.
Além disso, fatores que estão ligados à comercialização do grão, como peso do hectolitro (PH) e teor de proteína – ambos importantes no cálculo do valor recebido pelo produtor – podem sofrer impactos negativos, resultando em descontos consideráveis.
Por isso, para o controle adequado, a utilização de todas as estratégias disponíveis se faz necessária.
Sendo assim, confira a seguir os números da safra de trigo 2022/23, os principais fatores responsáveis pela redução da produtividade da cultura, e as cinco principais doenças, sintomas, identificação e manejo! Boa leitura!
Panorama de produção de trigo no Brasil e no mundo na safra 2022/23
Até a primeira semana do mês de dezembro, segundo dados divulgados pela Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), mais de 92% das lavouras no país estavam colhidas.
Este percentual, em comparação à safra 2021/22 é menor, visto que na safra anterior, ao final do mês de novembro, 100% das lavouras do país já haviam finalizado a colheita.
O atraso da colheita na safra 22/23 está relacionado principalmente às condições ambientais, especialmente o excesso de chuvas em diversas regiões produtoras, o que interferiu e atrasou o início da semeadura da cultura subsequente: a soja.
Já no que diz respeito à produção mundial, dados divulgados pela USDA no final do mês de novembro projetavam uma produção mundial de trigo de mais de 737,7 milhões de toneladas.
Em relação aos principais países produtores de trigo, em primeiro encontra-se a China, com produção de 138 mi de toneladas, seguida da Índia (103 mi de ton.) e Rússia (91 mi de ton.). Estados Unidos ocupa a 5ª posição dentre os principais produtores, com produção de 44,90 mi de ton.
As principais reduções da produção do cereal foram observadas para a Ucrânia, de mais de 13 milhões de hectares, o que correspondeu ao recuo de mais de 62%, resultado da intensificação dos conflitos no país. Índia e a Argentina também apresentaram redução da produção, correspondente a mais de 6 e quase 7 milhões de toneladas, 43% e 6,3% respectivamente.
Cabe salientar que embora reduções significativas tenham sido observadas para alguns países, a produção mundial de trigo apresentou acréscimo em quase 1 milhão de toneladas, muito influenciada pelos aumentos da produção registrados para a Rússia e demais países com produção menos significativa, incluindo o Brasil.
A safra brasileira de trigo 2022/23 apresentou colheita recorde, o que reduz a necessidade de importação do cereal.
Produção nacional e preços do trigo
Para o Brasil, a produção foi aproximadamente 22% superior à safra anterior.
Em relação aos preços praticados no mercado interno, nas últimas duas safras, o pico de preço pago pela tonelada do grão foi de R$2173 para o estado do Rio Grande do Sul no mês de julho de 2022, frente aos R$1581 pagos atualmente (cotação Cepea/Esalq, dezembro de 2022).
Para o estado do Paraná, os valores são ainda mais interessantes. No pico dos últimos dois anos, para o mês de julho foi de R$2180, e na cotação atual é de R$1807 reais.
Leia também: Conheça as principais doenças da cana-de-açúcar no Brasil.
Principais fatores que reduzem a produtividade e produção do trigo
No entanto, como visto em um passado não tão distante, a cultura do trigo é influenciada fortemente pelas condições ambientais, principalmente temperatura e precipitação.
As condições ambientais tornam-se duplamente problemáticas quando o assunto é ocorrência de doenças, isto porque, para a cultura, temperatura e umidade favorecem a incidência de doenças importantes.
A giberela, brusone, mancha amarela e mancha marrom são favorecidas, de forma geral, por condições de alta umidade relativa do ar, características principalmente em períodos chuvosos. O oídio, uma mancha foliar importante, por outro lado, é favorecido pelo clima seco.
Desta maneira, a cultura é suscetível a diferentes doenças, a depender do ano agrícola, das condições ambientais relacionadas às fases mais suscetíveis da cultura, e ao manejo dado à área.
A seguir, entenda quais são as principais doenças da cultura, como elas podem ser identificadas a campo, sintomas e principais medidas de controle!
Principais doenças que ocorrem no trigo
Dentre todas as inúmeras doenças que podem ocorrer na cultura, nove podem ser consideradas as mais frequentes, e dentre estas, cinco ocorrem na maioria das regiões produtoras: giberela, brusone, mancha-amarela, estria bacteriana e oídio.
Giberela
A giberela, causada pelo fungo Gibberella zeae (que tem como fase anamorfa ou assexuada a denominação de Fusarium graminearum), é uma das principais doenças da cultura do trigo.
Ela ocorre principalmente no início da fase de reprodução da cultura, mais precisamente no florescimento.
Desta forma, as medidas de controle devem iniciar antes desta fase, especialmente em regiões de histórico de ocorrência em semeaduras precoces.
A giberela pode causar diversos danos à cultura, como a indução de produção de grãos chochos, enrugados, de coloração branco-rosada (devido ao crescimento do fungo). Mas além das perdas em qualidade, a ocorrência da doença afeta também a segurança do grão.
Isto porque o fungo produz micotoxinas, que consistem em substâncias tóxicas que, uma vez produzidas, estarão presentes mesmo que o patógeno não esteja mais associado aos tecidos da planta.
Outro agravante é que as micotoxinas são bioacumuláveis no nosso organismo e termoestáveis (não são degradadas ou alteradas pela presença de calor), podendo resultar em diversos problemas de saúde a longo prazo, sendo fundamental o controle da doença à campo.
As condições favoráveis para a ocorrência da doença são temperaturas amenas a ligeiramente quentes, entre 20 a 25ºC, e associadas a períodos frequentes de chuvas.
Em relação aos sintomas, embora sejam facilmente confundidos com brusone (outro fungo que causa danos ao trigo), eles são diferentes. No caso da giberela, os sintomas iniciam nas aristas, que adquirem disposição “escabelada”, enquanto que para brusone, isto não ocorre.
Outro ponto de diferenciação é que para a giberela a espigueta adquire coloração rosada ou escurecida no ponto em que ocorre a infecção. Já para brusone, quando a espigueta é infectada, adquire coloração esbranquiçada a partir do ponto de infecção pelo fungo.
Para identificar a doença, a campo, deve-se observar os sintomas nas espiguetas e a disposição das aristas, conforme sintomas descritos anteriormente.
Diferenças entre sintomas de brusone à esquerda e giberela à direita. Fonte: Antunes, 2014.
Formas de controle
Além de ser uma doença de difícil controle e bastante relacionada às condições ambientais, a giberela é uma doença que causa a redução da produtividade, qualidade dos grãos e adicionalmente produz micotoxinas nocivas à saúde. Mesmo na ausência visual do fungo, as micotoxinas podem estar associadas.
O controle da doença é baseado em um conjunto de medidas que incluem:
uso de sementes certificadas e livres de patógenos, uma vez que giberela é disseminada através das sementes contaminadas;controle cultural com rotação de culturas não hospedeiras da doença. Esta medida é importante para reduzir o inóculo primário de doenças e o aumento da população do patógeno na área de cultivo. Alguns exemplos de espécies não hospedeiras incluem a canola e o girassol, que podem ser cultivadas em rotação com o trigo;uso de cultivares resistentes ou tolerantes também auxilia nas demais medidas de controle;controle químico com uso de fungicidas é uma ferramenta importante para conter o avanço da doença, no entanto, este deve ser realizado no momento correto, no início do florescimento. Aplicações muito antecipadas ou tardias não exercem controle adequado, impactando na produtividade e qualidade dos grãos produzidos.
No Sistema de Agrotóxicos Fitossanitários (AGROFIT), podem ser consultados os fungicidas recomendados para controle, no entanto, é importante entender qual é a melhor opção para a sua área de cultivo.
Com frequência, é disponibilizado pela Embrapa resultados de pesquisa sobre a eficiência de fungicidas nas diferentes regiões produtoras. Em posse desse material é possível entender quais os fungicidas mais eficientes para a sua região e cultivares utilizados.
Brusone
A brusone tem como agente causal o fungo Pyricularia grisea. Diferentemente da giberela, a brusone causa sintomas também em outras partes da planta, como folhas.
O sintoma mais comum associado à doença, como mencionado anteriormente, é o branqueamento da espigueta acima do ponto ao qual ocorreu a infecção. As perdas podem ultrapassar 60% quando a doença atinge elevada severidade e na ausência de controle adequado.
Temperaturas entre 25 e 28ºC e molhamento foliar superior a 10 horas são condições que favorecem a ocorrência da doença.
Assim como o fungo causador da giberela, o agente causal da brusone pode sobreviver nos restos culturais do trigo até a próxima safra, a depender da velocidade de decomposição dos resíduos, por isso, a rotação de culturas (que é diferente da sucessão de culturas), é uma das indicações de manejo.
De forma geral, o controle para brusone é semelhante ao da giberela, podendo distinguir em algumas indicações de fungicidas.
Medidas importantes como:
tratamento de sementes para proteger o estande inicial da cultura e a infecção precoce;uso de fungicidas dos grupos químicos das estrobilurinas associados aos triazóis, aplicados preventivamente no estádio de emborrachamento e quando as condições ambientais para a ocorrência da doença estiverem ocorrendo.
Mancha-amarela
A mancha-amarela é uma doença que vem ganhando notoriedade nas regiões produtoras de trigo. Além dos danos causados, uma crescente preocupação tem girado em torno da ocorrência de populações resistentes às moléculas fungicidas utilizadas no controle, conforme relatos do Comitê de Ação a Resistência a Fungicidas (FRAC).
Os sintomas da doença se manifestam a partir de manchas elípticas (compridas e com extremidades mais afinadas), que atingem grandes extensões. As lesões são amarronzadas, acompanhadas por bordas levemente amareladas.
Sintomas característicos da mancha-amarela em trigo. A doença também pode ocorrer em outras culturas de inverno. Fonte: Santana, 2018.
A doença tem como agente causal o fungo Drechslera tritici-repentis e é favorecida por temperaturas entre 18 a 28ºC, acompanhadas de molhamento foliar de 30 horas. Desta forma, períodos chuvosos favorecem a ocorrência da doença.
Para o manejo da doença, recomendações específicas são dadas e devem ser seguidas para evitar com que as moléculas utilizadas não surtam mais efeito ao patógeno e portanto, o controle seja ineficiente nas regiões produtoras. Dentre elas, as principais incluem:
aplicações preventivas, evitando que a população do patógeno atinja patamares elevados, exercendo pressão de seleção;estrobilurinas não devem ser utilizadas isoladamente, e sim, associadas à fungicidas dos grupos químicos dos triazóis e multissítios (de contato);rotação de culturas com espécies não hospedeiras como canola, nabo forrageiro e aveia. O azevém é uma cultura hospedeira e deve ser evitada na rotação de culturas com trigo, especialmente em áreas demasiadamente contaminadas;resultados de pesquisa apresentados pela Embrapa destacam algumas moléculas fungicidas para o controle (dados mais recentes devem ser publicados nas próximas safras).
Estria-bacteriana
A estria bacteriana, como o próprio nome diz, é causada por uma bactéria, a Xanthomonas translucens pv. undulosa.
A estria bacteriana encontra-se distribuída em todas as regiões produtoras do país, mas é nas regiões mais quentes que os danos são mais severos, especialmente em regiões tritícolas localizadas acima do estado do Paraná.
Os danos no rendimento da cultura do trigo podem ultrapassar os 40%, e o patógeno possui como espécies hospedeiras as culturas da cevada, centeio, triticale, aveia branca, aveia preta, desta forma, estas culturas devem ser evitadas em cultivos subsequentes ao trigo, para evitar epidemias e mais danos.
Os sintomas da doença caracterizam-se pela presença de estrias translúcidas (encharcadas), que se manifestam em maior intensidade próximo ao espigamento.
Sintoma da doença estria bacteriana. Fonte: Reis et al.
Um agravante da bactéria é a capacidade desta em sobreviver em restos culturais do trigo, destacando mais uma vez a importância da rotação de culturas como uma das medidas de controle.
Algumas medidas de controle recomendadas para o controle da estria bacteriana envolvem o uso de sementes certificadas, uma vez que a doença é disseminada através de sementes contaminadas.
Para o controle, as principais medidas incluem o uso de sementes certificadas e sadias, uma vez que a bactéria é disseminada por sementes, e rotação de culturas, evitando espécies hospedeiras da bactéria. O uso de cultivares tolerantes ou moderadamente resistentes é uma ferramenta importante para o controle da doença, quando disponíveis.
Oídio
O oídio também é considerado uma importante doença que ocorre na cultura do trigo, relacionada fortemente com as condições ambientais da safra vigente.
É favorecido por épocas de temperaturas amenas e de baixa umidade relativa do ar, portanto, anos secos são favoráveis ao desenvolvimento da doença. O potencial de dano da doença é alto, tendo em vista que os danos ocorrem principalmente nas folhas, importantes mantenedoras do enchimento de grãos.
Além disso, há variabilidade dentre as raças do patógeno predominantes nas regiões tritícolas e ano agrícola. Isto pode significar maior ou menor ocorrência da doença em determinado ano em função da virulência e agressividade da raça que está ocorrendo.
O sintoma da doença é bastante característico e inclui o surgimento de estruturas fúngicas de coloração acinzentada sobre as folhas, semelhante a um mofo. A doença ocorre desde a emergência, se as condições ambientais forem favoráveis.
Sinais (estruturas do patógeno) do agente causal do oídio em trigo, com presença de micélios pulverulentos (semelhantes a um mofo de coloração acinzentada). Fonte: Costamilan, 2020.
O fungo parasita apenas a cultura do trigo, mas isso não quer dizer que a cevada por exemplo, não seja afetada pelo oídio. A diferença é que na cevada, outro patógeno específico à cultura da cevada é o agente causal da doença.
O agente causal do oídio no trigo é denominado Blumeria graminis f. sp. tritici, e é classificado como biotrófico, ou seja, necessita obrigatoriamente de um hospedeiro vivo para sua reprodução. A disseminação ocorre através dos conídios formados em plantas de trigo que sobreviveram na entressafra, sendo disseminadas então a partir do vento para longas distâncias.
As condições favoráveis para ocorrência da doença incluem temperaturas entre 15 a 20ºC e, portanto, amenas, acompanhadas de umidade relativa do ar baixa (inferior a 60%). A cada 7-9 dias novas populações do fungo são formadas, gerando novas infecções.
Para o controle da doença, o uso de cultivares resistentes em áreas com histórico da doença é importante. Por isso, realizar anualmente o levantamento de quais doenças estão ocorrendo na lavoura é fundamental para nortear as estratégias de controle mais adequadas.
Diferentemente das demais doenças citadas anteriormente, o agente causal do oídio não é capaz de sobreviver nos restos culturais, desta forma, a rotação de culturas não é eficiente (embora seja fortemente recomendada para as demais doenças da cultura).
O uso de fungicidas é uma prática de controle recomendada e inclui desde o tratamento de sementes e pulverizações em diferentes estádios de desenvolvimento da cultura.
Da mesma forma que as demais doenças, a Embrapa disponibiliza com frequência resultados de ensaios nas principais regiões produtoras demonstrando quais os ingredientes ativos apresentam melhor controle. Para a safra 2020 (publicado em julho de 2022), os resultados podem ser conferidos clicando aqui.
É importante lembrar que, neste artigo, apontamos as 5 principais doenças da cultura amplamente distribuídas em todas as regiões produtoras, no entanto, existem inúmeras outras que ocorrem de forma mais regionalizada, por isso, ao menor sinal de problemas na sua lavoura, consulte sempre um profissional Engenheiro Agrônomo para escolha dos melhores métodos de controle.
Lembre-se que algumas doenças têm como controle principal o controle de insetos (como no o caso de viroses, pois as viroses não possuem controle além do inseto vetor).
Veja também: Manejo integrado de pragas: o que é e como fazer.
Conclusão
Diversas doenças podem ocorrer na cultura do trigo, a depender do ano agrícola e portanto, das condições climáticas vigentes, mas também em função da cultivar utilizada e do manejo dado às áreas de produção.
Sendo a comercialização do trigo norteada pela qualidade dos grãos produzidos e, uma vez que as doenças influenciam diretamente nos atributos de qualidade, entender quais condições ambientais são favoráveis à ocorrência de doenças, bem como a identificação visual destas para o melhor direcionamento do manejo é fundamental para o sucesso do controle.
Vale lembrar que para um controle efetivo, deve-se optar sempre pela adoção de diferentes métodos de controle associados, ou seja, pelo manejo integrado de doenças (MID).
Manter a lavoura de trigo livre de doenças contribui para a produção de grãos de alta qualidade e portanto, de maior valor de comercialização.
E então, gostou desse artigo? Aproveite e acesse também nosso post sobre as principais doenças da cultura do algodão: identificação, sintomas e manejo. Boa leitura!
O post Principais doenças do trigo: identificação e controle apareceu primeiro em MF Magazine.